domingo, 16 de junho de 2013

As fragrâncias nos trazem lembranças do passado?



O Nariz Por  Trás do Perfume

Por Fernando Eichenberg. 
A primeira lembrança de Jean-Claude Ellena de um odor remonta aos seus quatro anos de idade. "Lembro como se fosse hoje do cheiro dos biscoitos guardados em um pote no alto do armário da cozinha. Era obrigado a subir numa cadeira para poder alcançá-los', diz. Hoje, aos 61 anos, esse francês nascido em Grasse, cidade mediterrânea do sul da França reputada por suas flores e oliveiras, é perseguido pelos odores mesmo durante o sono. 'Sempre durmo com uma folha de papel e uma caneta na cabeceira da cama. Ontem à noite, por exemplo, despertei no meio da noite com a idéia de um odor, prontamente anotei as sensações do cheiro e depois voltei a dormir', conta, como se fosse um poeta a sonhar com versos de rimas aromáticas.
Seus curiosos hábitos se justificam: Jean-Claude Ellena é um dos mais respeitados criadores de perfumes contemporâneos. Como se diz no jargão do meio, trata-se de um 'nariz', um profissional de olfato apurado e mestre em misturar ingredientes para produzir exclusivos líquidos perfumados, bem-guardados em cobiçados frascos. No seu caso, o aprendizado também vem de berço. Seu pai trabalhou em dois grandes grupos fabricantes de perfumes, o americano IFF (International Flavors & Fragrances) e o suíço Givaudan. E a tradição se perpetua na família: a filha, Céline Ellena, sucumbiu ao charme das fragrâncias e se tornou 'nariz' da grife The Different Company, fundada pelo pai.
Como um sommelier capaz de identificar a origem e a safra de um vinho, um 'nariz', ao sentir a essência de um jasmim em um pequenino frasco, consegue apontar se a matéria-prima é proveniente do Egito, da Itália ou da França. Uma pessoa normal distingue entre três e quatro paladares em um vinho e igual quantidade de odores em um perfume. Para um profissional, no entanto, esse número é multiplicado por dez.
'A arte é baseada na noção de ilusão. E a ilusão é muitas vezes mais forte do que a realidade. Consegue-se fazer crer que é ainda mais verdade do que a própria verdade', diz Ellena
Autor de clássicos como First (Van Cleef & Arpels), L'Eau Parfumée au Thé Vert (Bulgari), Déclaration (Cartier), Eau de Campagne (Sisley) ou Cologne Bigarade (Frédéric Malle), Jean-Claude Ellena ocupa desde 2003 o prestigioso cargo de diretor de criação de perfumes da Hermès, célebre maison do Faubourg Saint-Honoré, em Paris.
Mas não basta fama, faro sensível e um savoir-faire familiar para se criar bons perfumes. Compor uma fragrância é como improvisar um prato na cozinha, mas, a exemplo dos melhores chefs, exige intuição e também muita ciência. O momento mágico provocado pelo efeito do contato do bálsamo na pele é precedido de um longo e complexo processo. Artesão em seu laboratório de Cabris, nos arredores de Grasse, onde trabalha com apenas um assistente, Ellena brinca com a imagem que ainda se faz do perfumista: 'As pessoas que vêm aqui me visitar acham que vão me encontrar no meio do campo, espremendo flores. Mas a abordagem é, antes de tudo, intelectual'.
Extraído de Marie Claire, Revista na Net.

Nenhum comentário: